#68 Não me obriguem a vir para a rua aclarar
a poesia devia servir o grito em silêncio: Say No More.

1. acordas e vastas são as camisolas de cravo
na lapela
deves sair de casa e comprar o teu cravo
é óbvio
depois pintas o tal do bom do cravo numa bandeira
ergue-te, fica-te bem
vestes a peça vermelha que acompanha o par de brincos (com cravos claro)
e ligas o spotify e ouves alto, tão alto o Grândola
que atordoas os vizinhos ressacados
eles ouvem
e refilam
ouvem e refilam? será que eles nos estão a ouvir enquanto refilam?
2. Ó Morena dos óculos de sol,
não vês por aí milhares de raios nublados neste dia de Abril?
desces a avenida
ora bem
com a cerveja na mão
pois claro
apressas o passo
tiras a selfie com os teus camaradas
postas
rápido
lambes
festejas
lateja uma Liberdade para permanecer estacionada no Rossio
situação estatuária divergente
e a ginja que bem sabe ainda talvez
perguntam-te, mas a menina fala inglês?
e recolhes a casa
escura
qual casa?
qual quarto?
qual cama?
tu és de ninguém
3. devotar na capela
esperar no sofá
lembrar a escola
vais à tua vanguarda regar o próprio cravo
sentir o vento poente
4. potente a guarda a sentada
até ao próximo 25 de Abril
sempre
fascismo
nunca
mais
5. menos ou mais?
nunca mais?
nunca?
ou será mais?
p.s - sinto-me cada vez mais imigrante neste menos país escolhido pelos imigrantes.
A nossa ágora é líquida, o scroll infinito. Quem grita mais alto é ouvido. Se quiseres gastar atenção com quem sussurra, ainda sobrevivem alguns exemplares de Atrás da Escrita. Escrevi um livro sobre o que gravita à volta dos livros, sobre o nosso passado colonial, sobre o amor e ódio humanos e sobre o que atormenta quem cria. Tentei que fosse divertido, não ligeiro. No fundo, escrevi um livrosobre tudo aquilo que não se diz mesmo quando tudo está escrito. Se quiseres comprar um exemplar assinado manda: